domingo, 21 de março de 2010

Os Lusíadas

Atenção - Alunos do 9º ano. Realizar os Questionários depois da preparação do episódio. Se dúvidas houver coloquem - nas nos comentários. Bom trabalho!

O Professor





Os Lusíadas são uma obra do séc. XVI.



Este século, caracterizado por uma grande viragem no pensamento humano, é marcado por três grandes movimentos culturais: o Humanismo, o Renascimento e o Classicismo.

No Humanismo, o Homem encontra-se no centro das atenções, dando lugar ao antropocentrismo (antropos significa Homem) que se opôe ao teocentrismo (Deus no centro).

Trata-se de um movimento intelectual europeu que procurou vigorosamente descobrir e reabilitar a literatura e o pensamento da Antiguidade Clássica e que tem como interesse central o Homem, no pleno desenvolvimento das suas virtualidades e empenhado na acção, havendo aqui uma nítida oposição à concepção hierárquica e feudalista do Homem medieval.

O Renascimento desenvolveu-se em países da Europa Central e Ocidental, como a Itália (passando sucessivamente de Florença a Siena e depois a Roma, e alastrando posteriormente a toda a Península Italiana), nos séculos XIV a XVI e veio a irradiar e a ter fundas repercussões na cultura de praticamente todos os países do continente europeu. As figuras de proa do movimento gostavam de se apresentar como críticos do "obscurantismo" medieval, numa atitude de contestação à tradicional influência da religião na cultura, no pensamento e na vida quotidiana ocidental.

O movimento renascentista começa por ser uma contestação da ideologia dominante durante o milénio medieval: à civilização cristã contrapõe-se uma ideologia antropocêntrica, revelando um desiderato de fazer renascer a Antiguidade greco-latina, que, na interpretação então prevalecente, se caracterizara precisamente por colocar o Homem no centro do Universo e representava um ideal de civilização natural.

O Classicismo consiste num sentimento de admiração pela Antiguidade Clássica e no desejo de imitação da cultura greco-romana e de retoma dos seus valores, reflectindo-se em todas as artes como a pintura, a escultura e a literatura.

Com base nos modelos clássicos greco-romanos, este movimento tem como principais valores a harmonia, a simplicidade, o equilíbrio, a precisão e o sentido das proporções. Refira-se, como exemplo na pintura, Leonardo da Vinci e Rafael. Os estudos das poéticas de Horácio e de Aristóteles disciplinam a desordem artística medieval.

O enriquecimento filosófico e estético que oferece o estudo de Platão, Homero, Sófocles, Ésquilo, Ovídio, Virgílio e Fídias, dá aos valores ocidentais maior dignidade artística e intelectual. A Itália, detentora dos valores clássicos, latinos e gregos, é considerada o berço deste movimento, com Dante, Francesco Petrarca e Giovanni Boccaccio.

Foi durante o século XVI que viveu Camões. A vida de Luís Vaz de Camões já se tornou uma lenda pois, concretamente, com base documental, sabe-se muito pouco da sua história.

Pensa-se que terá nascido por volta de 1524. A sua formação académica foi realizada em Coimbra.
A sua vida foi especialmente marcada por duas actividades: as armas, nos combates em que participou no Norte de África e onde perdeu um dos seus olhos, e as letras.
Terá sido na Índia que o poeta iniciou a escrita do primeiro Canto d’Os Lusíadas. Mais tarde, em Macau, terá composto mais seis Cantos. Conta-se que durante uma viagem para Goa, o barco em que Camões seguia naufragou e o poeta salvou o seu poema épico, nadando apenas com um braço e erguendo o outro fora da água.
Pensa-se que foi em Moçambique que terminou a epopeia, que veio a ser publicada pela primeira vez em 1572 com o apoio do rei D. Sebastião. Esta obra é, hoje, mundialmente conhecida e Camões tornou-se o escritor português mais célebre.

Apesar da sua grandiosidade, Camões viveu sempre com muitas dificuldades e desilusões. A sociedade corrompida e decadente em que se inseria nunca o reconheceu. As pessoas do seu tempo não souberam valorizar nem a obra nem o poeta. Após vários anos amargurados pela doença e pela miséria, o poeta morreu em 1580, no dia 10 de Junho.

Camões escreveu Os Lusíadas sob a forma de narrativa épica ou epopeia, forma muito utilizada na Antiguidade Clássica e que Camões conhecia bem.

Definição de epopeia

Uma epopeia, forma literária da Antiguidade Clássica, define-se como uma narrativa, estruturada em verso, que narra, através




Estrutura da Obra


Os Lusíadas podem ser considerados uma síntese da cultura renascentista, quer nos aspectos literários e filosóficos de cariz classicista e humanista, quer nos aspectos científicos, revelando um grande interesse documental para a compreensão da mentalidade da época.

Assim, o poeta seguiu fielmente os ensinamentos da Antiguidade greco-latina no que se refere à estrutura de uma epopeia:



ESTRUTURA CLÁSSICA DA OBRA



Divisão em partes:

  1. Proposição

  2. Invocação

  3. Dedicatória

  4. Narração

A narração inclui:

    Intervenções do maravilhoso

    Episódios (narrativas menores)

    Narrações retrospectivas, retrocesso no tempo em relação à acção central, isto é, 1498, ano em que se efectuou a primeira viagem de Vasco da Gama para a Índia:

    1. De Vasco da Gama ao rei de Melinde, contando a história de Portugal desde a sua fundação lendária - cantos III e IV

    2. De Vasco da Gama ao rei de Melinde, contando a viagem de Lisboa a Moçambique, já que no canto I a narração começa in medias res - canto V

    3. Profecias, avanços no tempo em relação à acção central:

    Profecia de Júpiter a Vénus - canto II;

    Profecia dos rios Indo e Ganges a D. Manuel - canto IV;

    Profecias do Gigante Adamastor a Vasco da Gama - canto V;

    Profecias de Tétis a Vasco da Gama durante o banquete - canto X;

    Profecias de Tétis no monte, frente à bola de cristal - canto X,

Matéria Épica


O Poeta soube adaptar sabiamente a matéria épica à realidade portuguesa, respeitando o cânone do género: grandeza do assunto e da personagem principal (herói da epopeia), unidade de acção, concentrada no tempo e no espaço.


Forma


Em termos formais, o Poema está escrito em estilo "sublime", elevado, adequado à temática abordada e seguindo estritamente as regras clássicas para a elaboração de uma epopeia. O Poema está dividido em 10 cantos, totalizando 1102 estâncias, sendo cada uma constituída por oito versos.


Planos narrativos

  1. Plano da viagem

  2. Plano dos Deuses

  3. Plano da História de Portugal

  4. Plano do Poeta



  1. A descoberta de caminho marítimo para a Índia

  2. A viagem de Vasco da Gama


A descoberta de caminho marítimo para a Índia


O alargamento territorial por via marítima não era novidade em Portugal, visto que já no reinado de D. Afonso IV (1325-1357) se tinha realizado uma expedição às Canárias. A navegação de longa distância fazia-se há muito, e recebera particular impulso com D. Dinis (1279-1325); mas os navios seguiam rotas ao longo da costa, condição fundamental para garantir o abastecimento e diminuir os riscos.

Para que a viagem de Bartolomeu Dias fosse possível, os portugueses tiveram de construir a caravela, um navio revolucionário para a época: rápido, leve, ágil, capaz de navegar tanto em alto mar como junto à costa, foi o verdadeiro instrumento das viagens de descoberta.

A caravela estava equipada com velas triangulares (velas latinas), importantes para que fosse possível bolinar, isto é, navegar mesmo quando os ventos eram contrários. Foram também utilizados, pela primeira vez, meios práticos e seguros de fazer cálculos astronómicos e determinar a posição e a rota dos navios, com instrumentos como o astrolábio, o quadrante e a balestilha.

O feito de Bartolomeu Dias teve longos antecedentes de tentativas, estudos e esforços científicos. O próprio Infante D. Henrique se rodeou, na sua casa de Lagos, de um conjunto de cosmógrafos e cartógrafos de origem catalã, maiorquina e genovesa, com o objectovo de preparar devidamente os comandantes das suas expedições. Foi esta a verdadeira "escola náutica". Os resultados deste esforço foram notáveis: pela primeira vez fazia-se navegação astronómica, rigorosa e científica.

Em 1488, o pequeno grupo de navios conduzidos por Bartolomeu Dias, que seguia ao longo da Costa Ocidental de África, ignorando que estava muito perto do seu extremo, desviou-se cerca de 30º para sul, e encontrou-se em pleno Atlântico, sem conseguir avistar terra.

Para retomar o contacto com a costa, as caravelas tiveram de seguir para nordeste, e acabaram por dobrar o temível cabo das Tormentas, identificado n' Os Lusíadas com a figura do gigante Adamastor, que parecia marcar o fim do mundo. A frota estava a leste do Cabo, pela primeira vez na história dos Descobrimentos portugueses. A zona passou a ter o nome de Cabo da Boa Esperança.

A dobragem do cabo da Boa Esperança foi simultaneamente o descobrimento da passagem para o oceano Índico, e o apontar do caminho para o Oriente tão desejado, terra rica e promissora, quase mítica no imaginário europeu.


A viagem de Vasco da Gama


O Oriente era conhecido pelos Europeus, que muito apreciavam os produtos exóticos de lá trazidos pelo comerciantes árabes, através das rotas do Levante.

Mas o contacto directo com as zonas produtoras da Índia, da Pérsia e da China, ricas em especiarias, sedas, tapetes, porcelanas, madeiras preciosas e outros objectos de luxo, tinha as suas rotas tradicionais bem estabelecidas.

O comércio a partir do mar Vermelho e do golfo Pérsico era monopolizado pelos mercadores muçulmanos, a quem as cidades italianas, que dominavam o Mediterrâneo (sobretudo Génova e Veneza), compravam a mercadoria, que depois se encarregavam de vender à Europa a peso de ouro.

Era um negócio de lucros imensos, que D. João II (1482-1495) desejava para si; evitar a concorrência dos Italianos e a resistência dos Árabes só era possível contornando a África pelo Sul, para alcançar a Índia por um caminho alternativo ao tradicional.

O sonho de D. João II foi retomado por D. Manuel I (1495-1521). D. Estêvão da Gama, capitão-mor da vila de Sines, fora o primeiro escolhido para a continuação dos descobrimentos da costa oriental africana, e para o empreendimento da Índia. Mas a sua morte fez com que o seu quarto filho, Vasco da Gama, se visse à frente do projecto com apenas 29 anos de idade.

A frota comandada por Vasco da Gama, simultaneamente almirante e embaixador do reino, encarregado de estabelecer relações diplomáticas e comerciais com o samorim de Calecute, partiu do Restelo a 8 de Julho de 1497. Era constituída por três naus: a S. Gabriel, comandada pelo chefe da expedição, a S. Rafael, comandada pelo seu irmão Paulo da Gama, e a Bérrio, dirigida pelo navegador Nicolau Coelho, além de uma pequena caravela com mantimentos.

A frota seguiu pelo alto mar, quase se aproximando do Brasil, fazendo aquilo que os marinheiros chamavavam "a volta", para evitar os ventos contrários da Costa Ocidental Africana, visto que levavam naus e não as ágeis e manobráveis caravelas.

O cabo da Boa Esperança, onde Camões imagina o encontro de Vasco da Gama com o gigante Adamastor, foi atingido em Novembro e, a partir daí, a navegação fez-se pelo Índico. Muitos dos marinheiros estavam então atacados de escorbuto, doença terrível motivada pela carência de alimentos frescos, que minou a tripulação.

Durante a viagem ao longo da costa oriental de África, os marinheiros portugueses tiveram alguns encontros com nativos locais, que inspiraram o episódio de Fernão Veloso em Os Lusíadas.

Em Março de 1498, no porto da ilha de Moçambique, Vasco da Gama viu barcos árabes a carregar mercadorias, e quis beneficiar de vantagens semelhantes, o que acabou por desencadear manifestações de hostilidade do chefe local.

Mais tarde, em Mombaça, os portugueses tiveram um acolhimento semelhante, sofrendo a traição de um piloto negro, pelo que foram obrigados a usar a artilharia de bordo para escapar.

Finalmente, o sultão de Melinde recebeu muito bem o almirante português, visitou as naus, e colocou à sua disposição um excelente piloto árabe, que ajudou a conduzir a frota à costa do Malabar.

A cidade de Calecute foi alcançada em 20 de Maio de 1498, concluindo-se assim a primeira ligação marítima, por via atlântica, entre a Europa e o Oriente. A primeira recepção do samorim de Calecute foi favorável ao estabelecimento de relações comerciais entre a região e a Coroa portuguesa.

Todavia, a missão de Vasco da Gama, ficaria também marcada pela hostilidade dos mercadores árabes estabelecidos na zona, que temendo a concorrência, fizeram tudo o que estava ao seu alcance para sabotar as negociações do representante de Portugal.

Mas, Vasco da Gama, revelando-se excelente diplomata, acabou por conseguir um carregamento de especiarias que cobriu os gastos da expedição, quando regressou ao reino, recebeu excelentes recompensas régias.

O Malabar parecia então aberto ao comércio com Portugal, e permitiu a criação do Estado Português da Índia, mantido até finais do séc. XVI, sob a direcção de vários Governadores e Vice-reis, representantes da Coroa portuguesa, entre os quais esteve o próprio Vasco da Gama.

O tráfico com o Oriente seria, durante quase todo o século XVI, um monopólio real.




Esquematização dos cantos

Legenda:

© = Amor & = História % = Aviso de perigo h = Viagem
O = PerigoV = Religião? = Opinião do Poeta J = Cómico

Canto I

  • 1-3 Proposição: o Poeta expõe o tema do seu poema.

  • 4-5 Invocação: O Poeta pede inspiração às ninfas do Tejo, Tágides, para escrever a sua obra.

  • 6-18 O Poeta dedica o seu poema ao rei: D. Sebastião.

  • 19 h Início da narração: a armada de Vasco da Gama está no Oceano Índico.

  • 20-42 % Consílio dos deuses para decidir o futuro dos Portugueses.

  • 43-104 h A viagem prossegue com alguns problemas e intervenções dos deuses e finalmente chegam a Mombaça.

  • 105-106 ? O Poeta reflecte sobre a fragilidade do homem.

  • Canto II

  • 1-10 A armada está em Mombaça.

  • 11-63 Intervenções de Baco, Vénus, Júpiter e Mercúrio.

  • 64-108 h Chegada a Melinde: o rei pede a Vasco da Gama que lhe conte onde fica Portugal, como foi a viagem e a História de Portugal.

  • Canto III

  • 1-2 O Poeta invoca a musa Calíope para, através de Vasco da Gama, iniciar a narração da história de Portugal.

  • 3-143 Discurso de Vasco da Gama que responde às perguntas do rei de Melinde. Assim, começa por dar a localização de Portugal; em seguida fala da dinastia de Borgonha: de D. Afonso Henriques a D. Fernando. Neste discurso são referidos vários episódios:

  • 42-54 V Batalha de Ourique.

  • 101-106 © Formosíssima Maria.

  • 107-117 & Batalha do Salado.

  • 118-135 © Inês de Castro.

  • Canto IV

  • 1-75 Continua o discurso de Vasco da Gama ao rei de Melinde: história da dinastia de Avis (de D. João I a D. Manuel), inclui dois episódios:

  • 28-44 & Batalha de Aljubarrota.

  • 67-75 % Sonho de D. Manuel

  • 76-104 Os preparativos para a viagem e as despedidas em Belém, inclui um episódio:

  • 94-104 % Velho do Restelo

  • Canto V

  • 1-89 h Vasco da Gama conta ao Rei de Melinde como foi a viagem de Lisboa até ali, que inclui os seguintes episódios:

  • 18 O Fogo de Santelmo

  • 19-23 O Tromba Marítima

  • 30-36 J Fernão Veloso

  • 37-60 O Gigante Adamastor

  • 81-83 O Escorbuto

  • 90-100 ? O poeta lamenta-se do desprezo pelas artes e letras.

  • Canto VI

  • 1-91 h A armada sai de Melinde, inicia-se aqui a última etapa da viagem rumo à Índia, no decorrer da qual são inseridos os seguintes episódios:

  • 16-37 % Consílio dos deuses marinhos.

  • 43-69 O Os doze de Inglaterra.

  • 70-91 O Tempestade

  • 92-94 h Chegada à Índia.

  • Canto VII

  • 1-77 Na Índia: contactos; Vasco da Gama visita o Samorim e o Catual visita as naus.

  • 78-87 ? O Poeta invoca as ninfas do Tejo e do Mondego e comenta quem (não) merece ser incluído no seu poema.

  • Canto VIII

  • 1-46 Na Índia: Paulo da Gama recebe o Catual a bordo da sua nau e, através da descrição das bandeiras, refere alguns ilustres portugueses. Em seguida o Catual regressa a terra

  • 47-95 Intervenção de Baco e alguns incidentes, mas finalmente Vasco da Gama consegue regressar à nau.

  • 96-99 ? Reflexões do Poeta sobre o poder do ouro.

  • Canto IX

  • 1-17 h Inicia-se aqui a viagem de regresso a Portugal.

  • 18-91 h A armada avista uma ilha e resolve aportar; trata-se afinal da ilha que Vénus preparou para homenagear os Portugueses: um paraíso povoado de ninfas; inclui episódio:

  • 52-91 © Ilha dos Amores

  • 92-95 ? Considerações do Poeta: como atingir a glória.

  • Canto X

  • 1-142 Na Ilha de Vénus ou dos Amores: decorre um banquete. Tétis explica a máquina do mundo e faz profecias sobre o futuro dos Portugueses na Ásia, África e América. O próprio naufrágio de Camões é referido. Inclui os seguintes episódios:

  • 1-7 © Ilha dos Amores (continuação)

  • 10-42 © Ilha dos Amores (continuação)

  • 108-118 V Episódio de S. Tomé.

  • 143-144 h Embarque e regresso a Portugal.

  • 145-156 ? Considerações do Poeta: lamenta a decadência do seu país; apela ao rei, D. Sebastião, para que governe bem.



  • Figuras de estilo


    As figuras de estilo são recursos que tornam a linguagem mais expressiva, permitindo condensar múltiplas ideias em poucas palavras. Deste modo, o escritor /o poeta, sugere ao leitor várias interpretações para os seus textos / poemas e leva-o, por vezes, a associá-los a outros textos ou temas do conhecimento geral.

    Alegoria

    Metáfora desenvolvida de modo a sugerir, por alusão, uma ideia diferente; geralmente, o autor pretende apresentar uma verdade moral ou espiritual subjacente à acção.

    N’Os Lusíadas

    A alegoria da ilha dos Amores

    (Ilha = recompensa, paraíso)

    C. IX, 52-91

    C. X, 1-7; 10-142

    Aliteração

    Repetição de um som ou sílaba no início, no meio ou no fim das palavras; utilizada para criar um efeito auditivo de harmonia ou de onomatopeia.

    N’Os Lusíadas

    Que um fraco rei faz fraca a forte gente

    C. III, 138.8

    Alusão

    Referência breve a uma pessoa ou circunstância supostamente conhecida do leitor, de modo a alargar o saber para além do próprio texto.

    N’Os Lusíadas

    D’água do esquecimento

    C.I, 32.7

    = Rio Letes que, segundo a lenda, se situava no Inferno pagão, cujas águas tiravam a memória aos que dela bebessem.

    Anáfora

    Repetição de uma ou mais palavras no início de dois ou mais versos.

    N’Os Lusíadas

    Dai-me agora um som alto e sublimado,

    ................................................................

    Dai-me ua fúria grande e sonorosa,

    ................................................................

    Dai-me igual canto aos feitos da famosa

    C.I, 4.5, 5.1, 5

    Anástrofe

    Processo que consiste na inversão da ordem habitual das palavras, de forma a pôr em relevo elementos da frase. Neste caso, a inversão é menos violenta do que no Hipérbato.

    Que sejam, determino, agasalhados (Os Lusíadas, I, 29, v. 5

    Antítese

    Expressão de ideias opostas numa só frase; tese significa afirmação, anti- contra.

    N’Os Lusíadas

    A pequena grandura de um batel

    C. VI, 74.6

    Antonomásia

    Identificação de alguém através de um epíteto ou de qualquer outro termo que não seja o seu nome próprio.

    N’Os Lusíadas

    Cessem do sábio Grego e do Troiano

    C. I, 3.1

    (Sábio Grego: Ulisses; Troiano: Eneias)

    Apóstrofe

    Interpelação de uma pessoa, entidade ou coisa personificada, no meio de uma narração, por exemplo, a invocação às Musas na poesia. Pode ser utilizado para chamar a atenção do leitor, mudando de assunto.

    N’Os Lusíadas

    "Tu só, tu, puro Amor, com força crua,

    III, 119.1

    Assíndeto

    Sequência de palavras ou frases às quais se omitiu a conjunção e, substituída por vírgula, condensando várias ideias numa só frase, possibilitando, por vezes, diversas interpretações.

    N’Os Lusíadas

    Fere, mata, derriba, denodado;

    C.III, 67.3

    Assonância

    Repetição dos mesmos sons vocálicos em palavras muito próximas.

    N’Os Lusíadas

    As armas e os barões assinalados

    C.I, 1.1

    Comparação

    Método de aproximação de duas pessoas, ideias ou circunstâncias de modo a evidenciar as suas semelhanças ou diferenças. Distingue-se da metáfora pela utilização de alguns nexos inter-frásicos: como, tal como, assim como.

    N’Os Lusíadas

    Assi como a bonina, que cortada

    C.III, 134

    Qual o reflexo lume do polido

    Espelho de aço ou de cristal fermoso

    C.VIII, 87.1-2

    Elipse

    Supressão de palavras que facilmente se adivinham, tendo em consideração o contexto.

    N’Os Lusíadas

    Agora, pelos povos seus vizinhos,

    Agora, pelos húmidos caminhos.

    C. II, 108.7-8

    (Agora, pergunta pelos povos seus vizinhos)

    Eufemismo

    Suavização de uma ideia desagradável ou cruel através de palavras ou expressões seleccionadas. Pode confundir--se com a perífrase.

    N’Os Lusíadas

    Tirar Inês ao Mundo determina

    C. III, 123.1

    (=matar Inês)

    Hipérbato (cf. Anástrofe)

    Inversão violenta dos elementos da frase, alterando a ordem sintáctica normal. Utiliza-se para enfatizar o discurso ou para imitar a estrutura sintáctica do latim. Os versos de Os Lusíadas são formados por uma série de hipérbatos.

    N’Os Lusíadas

    A Deus pedi que removesse os duros

    Casos, que Adamastor contou futuros.

    C. V.60.7-8

    Hipérbole

    Expressões que exageram intencionalmente o pensamento. Utiliza-se para enfatizar o discurso. É um dos recursos estilísticos mais utilizados n’Os Lusíadas.

    N’Os Lusíadas

    Agora sobre as nuvens os subiam

    As ondas de Neptuno furibundo;

    Agora a ver parece que desciam

    As íntimas entranhas do Profundo.

    C.VI, 76.1-4

    Imagem

    Impressão mental ou representação de um animal, pessoa ou coisa que permite criar imagens nítidas, através de uma linguagem metafórica.

    N’Os Lusíadas

    O mar se via em fogos acendido

    C.II, 91.6

    Ironia

    Recurso, que segundo Aristóteles é um disfarce que conduz à essência da verdade, pois as palavras adquirem um significado diferente daquele em que são empregues.

    N’Os Lusíadas

    Vede, Ninfas, que engenhos de senhores

    O vosso Tejo cria valerosos,

    Que assim sabem prezar, com tais favores,

    A quem os faz, cantando, gloriosos!

    C.VII, 82.1-4

    (Camões ironiza a incompreensão dos seus compatriotas)

    Metáfora

    Comparação abreviada, implícita, sem a partícula comparativa como, que permite identificar uma coisa com outra através de um processo imaginativo.

    Tomai as rédeas Vós do Reino vosso

    (Tomai as rédeas = governai)

    C. I, 15.3

    Metonímia

    Substituição do nome dum objecto ou duma ideia por outro relacionado com ele. Assim, dizer a coroa ou o ceptro em vez de o soberano; a cruz e a espadaem vez de a religião e o exército; os copos em vez de as bebidas alcoólicas são exemplos de metonímia.

    N’Os Lusíadas

    De Portugal, armar madeiro leve

    (madeiro = nau, feita de madeira)

    C. VI, 52.3

    Onomatopeia

    Palavras cujo som evoca um determinado objecto ou ideia, muitas vezes, são sons da natureza. Trata-se, portanto, da utilização de palavras imitativas para alcançar um efeito estilístico. Pode coincidir com a aliteração.

    N’Os Lusíadas

    Bramindo, o negro mar de longe brada

    C. V, 38.3

    Perífrase

    Consiste em dizer em muitas palavras, o que poderia ser dito apenas numa.

    N’Os Lusíadas

    Mas assim como os raios espalhados

    Do Sol foram no mundo, e num momento

    Apareceu no rúbido Horizonte

    Na moça de Titão a roxa fronte,

    C. II, 13.5-8

    (= Aurora, deusa; aurora, nascer do dia)

    Personificação / Prosopopeia

    Atribuição de características humanas a abstracções, animais, ideias ou objectos inanimados.

    N’Os Lusíadas

    A figura do Gigante Adamastor, personificação de um cabo, que aparece a falar.

    ... e Guadiana

    Atrás tornou as ondas de medroso

    C. IV, 28.3-4

    Pleonasmo

    Repetição desnecessária da mesma ideia utilizando muitas palavras.

    N’Os Lusíadas

    Vi, claramente visto, o lume vivo

    C. V, 18.1

    Sinédoque

    Consiste em se tomar a parte pelo todo ou o todo pela parte.

    É uma espécie de metáfora, por exemplo, dizer velas por navios ou cabeças por animais; na expressão o pão nosso de cada dia, pão significa não apenas alimento, mas todo o sustento duma maneira geral. Esta figura de estilo tem ainda algumas semelhanças com a perífrase e a metonímia.

    N’Os Lusíadas

    Vós, ó novo temor da Maura lança,

    (canto I,6.5),

    (= poderio militar dos mouros)

    Sinestesia

    Associação de sensações recebidas por vários sentidos, por exemplo, uma nota azul (ouvido, vista) ou um verde frio (vista, tacto). são expressões sinestésicas.

    N’Os Lusíadas

    As areias ali de prata fina;

    C. VI, 9.2

    (vista: prateado; tacto: textura fina)







    Esquematização dos cantos

    Legenda:

    © = Amor & = História % = Aviso de perigo h = Viagem
    O = PerigoV = Religião? = Opinião do Poeta J = Cómico

    Canto I

  • 1-3 Proposição: o Poeta expõe o tema do seu poema.

  • 4-5 Invocação: O Poeta pede inspiração às ninfas do Tejo, Tágides, para escrever a sua obra.

  • 6-18 O Poeta dedica o seu poema ao rei: D. Sebastião.

  • 19 h Início da narração: a armada de Vasco da Gama está no Oceano Índico.

  • 20-42 % Consílio dos deuses para decidir o futuro dos Portugueses.

  • 43-104 h A viagem prossegue com alguns problemas e intervenções dos deuses e finalmente chegam a Mombaça.

  • 105-106 ? O Poeta reflecte sobre a fragilidade do homem.

  • Canto II

  • 1-10 A armada está em Mombaça.

  • 11-63 Intervenções de Baco, Vénus, Júpiter e Mercúrio.

  • 64-108 h Chegada a Melinde: o rei pede a Vasco da Gama que lhe conte onde fica Portugal, como foi a viagem e a História de Portugal.

  • Canto III

  • 1-2 O Poeta invoca a musa Calíope para, através de Vasco da Gama, iniciar a narração da história de Portugal.

  • 3-143 Discurso de Vasco da Gama que responde às perguntas do rei de Melinde. Assim, começa por dar a localização de Portugal; em seguida fala da dinastia de Borgonha: de D. Afonso Henriques a D. Fernando. Neste discurso são referidos vários episódios:

  • 42-54 V Batalha de Ourique.

  • 101-106 © Formosíssima Maria.

  • 107-117 & Batalha do Salado.

  • 118-135 © Inês de Castro.

  • Canto IV

  • 1-75 Continua o discurso de Vasco da Gama ao rei de Melinde: história da dinastia de Avis (de D. João I a D. Manuel), inclui dois episódios:

  • 28-44 & Batalha de Aljubarrota.

  • 67-75 % Sonho de D. Manuel

  • 76-104 Os preparativos para a viagem e as despedidas em Belém, inclui um episódio:

  • 94-104 % Velho do Restelo

  • Canto V

  • 1-89 h Vasco da Gama conta ao Rei de Melinde como foi a viagem de Lisboa até ali, que inclui os seguintes episódios:

  • 18 O Fogo de Santelmo

  • 19-23 O Tromba Marítima

  • 30-36 J Fernão Veloso

  • 37-60 O Gigante Adamastor

  • 81-83 O Escorbuto

  • 90-100 ? O poeta lamenta-se do desprezo pelas artes e letras.

  • Canto VI

  • 1-91 h A armada sai de Melinde, inicia-se aqui a última etapa da viagem rumo à Índia, no decorrer da qual são inseridos os seguintes episódios:

  • 16-37 % Consílio dos deuses marinhos.

  • 43-69 O Os doze de Inglaterra.

  • 70-91 O Tempestade

  • 92-94 h Chegada à Índia.

  • Canto VII

  • 1-77 Na Índia: contactos; Vasco da Gama visita o Samorim e o Catual visita as naus.

  • 78-87 ? O Poeta invoca as ninfas do Tejo e do Mondego e comenta quem (não) merece ser incluído no seu poema.

  • Canto VIII

  • 1-46 Na Índia: Paulo da Gama recebe o Catual a bordo da sua nau e, através da descrição das bandeiras, refere alguns ilustres portugueses. Em seguida o Catual regressa a terra

  • 47-95 Intervenção de Baco e alguns incidentes, mas finalmente Vasco da Gama consegue regressar à nau.

  • 96-99 ? Reflexões do Poeta sobre o poder do ouro.

  • Canto IX

  • 1-17 h Inicia-se aqui a viagem de regresso a Portugal.

  • 18-91 h A armada avista uma ilha e resolve aportar; trata-se afinal da ilha que Vénus preparou para homenagear os Portugueses: um paraíso povoado de ninfas; inclui episódio:

  • 52-91 © Ilha dos Amores

  • 92-95 ? Considerações do Poeta: como atingir a glória.

  • Canto X

  • 1-142 Na Ilha de Vénus ou dos Amores: decorre um banquete. Tétis explica a máquina do mundo e faz profecias sobre o futuro dos Portugueses na Ásia, África e América. O próprio naufrágio de Camões é referido. Inclui os seguintes episódios:

  • 1-7 © Ilha dos Amores (continuação)

  • 10-42 © Ilha dos Amores (continuação)

  • 108-118 V Episódio de S. Tomé.

  • 143-144 h Embarque e regresso a Portugal.

  • 145-156 ? Considerações do Poeta: lamenta a decadência do seu país; apela ao rei, D. Sebastião, para que governe bem.




  • INÊS DE CASTRO

    A história e a lenda

    O Infante D.Pedro (1230-1367) era casado com D.Constança, mantendo, no entanto, uma ilícita relação amorosa com D.Inês, de quem tinha três filhos. Dada a ascendência castelhana de D.Inês, o Rei D.Afonso IV e os seus conselheiros viam, nesta relação, um potencial perigo para a independência nacional.

    Inicialmente, o rei D. Afonso IV tentou pôr fim a tal relação, expulsando D. Inês de Castro do reino. Esta, no entanto na fronteira espanhola, continuando a manter contacto com D. Pedro. A situação agravou-se quando D. Constança morreu. D. Pedro, agora viúvo, fez regressar D. Inês à corte, contra ordem expressa de seu pai, D. Afonso IV.

    Em Coimbra, aproveitando a ausência de D.Pedro numa caçada, D.Inês foi morta pelos conselheiros (Diogo Lopes Pacheco, Pêro Coelho e Álvaro Gonçalves), por ordem do Monarca.

    Mais tarde, quando D.Pedro I subiu ao trono, mandou matar aqueles conselheiros, vingando a morte de D. Inês, executando de modo cruel os ex-conselheiros do seu pai, na altura refugiados em Espanha. Diz a lenda que retirou o coração, a um, pelas costas, a outro, pelo peito. O terceiro conseguiu refugiar-se em Castela. Reza, ainda, a lenda que D.Pedro coroou D.Inês rainha depois de morta.

    A reabilitação da figura de D. Inês completou-se com a transferência do seu cadáver, de Coimbra para o mosteiro de Alcobaça, numa cerimónia que se revestiu de uma imponência nunca presenciada em Portugal.

    A trágica história de D. Pedro e D. Inês inspirou poetas, dramaturgos, compositores e artistas plásticos, em Portugal e no estrangeiro. Camões foi um dos escritores a celebrar a lenda, referida em Os Lusíadas . De entre a vasta lista de obras que tratam o tema destacam-se Castro , de António Ferreira (tragédia), Inês de Castro na Poesia e na Lenda, de António Lopes Vieira, e ainda as célebres Trovas à Morte de D. Inês de Castro, de Garcia de Resende, publicadas no Cancioneiro Geral.



    Resumo Canto III

    O canto III começa por uma Invocação a Calíope, musa da eloquência e da epopeia, antes de Vasco da Gama iniciar a sua longa narração da História de Portugal, em resposta ao pedido do rei de Melinde, e que irá estender-se por três cantos.

    Assim, o navegador começa por indicar a localização geográfica de Portugal e, em seguida, a sua história lendária e a reconquista, abrangendo todos os reinados da dinastia de Borgonha (até D. Fernando).

    Ao longo desta narração o poeta insere episódios, entre a realidade e a fantasia, que pretendem ilustrar a fundação do reino, bem como a génese da alma lusitana: Milagre de Ourique, Formosíssima Maria, Batalha do Salado e Inês de Castro


    Texto do episódio de Inês de Castro


    118

    Passada esta tão próspera vitória,

    Tornado Afonso à Lusitana terra,

    A se lograr da paz com tanta glória

    Quanta soube ganhar na dura guerra,

    O caso triste, e dino da memória

    Que do sepulcro os homens desenterra,

    Aconteceu da mísera e mesquinha

    Que depois de ser morta foi Rainha.

    119

    Tu só, tu, puro Amor, com força crua,

    Que os corações humanos tanto obriga,

    Deste causa à molesta morte sua,

    Como se fora pérfida inimiga.

    Se dizem, fero Amor, que a sede tua

    Nem com lágrimas tristes se mitiga,

    É porque queres, áspero e tirano,

    Tuas aras banhar em sangue humano.

    120

    Estavas, linda Inês, posta em sossego,

    De teus anos colhendo doce fruto,

    Naquele engano da alma, ledo e cego,

    Que a Fortuna não deixa durar muito,

    Nos saudosos campos do Mondego,

    De teus formosos olhos nunca enxuto,

    Aos montes ensinando e às ervinhas

    O nome que no peito escrito tinhas.

    121

    Do teu Príncipe ali te respondiam

    As lembranças que na alma lhe moravam,

    Que sempre ante seus olhos te traziam,

    Quando dos teus formosos se apartavam;

    De noite, em doces sonhos que mentiam,

    De dia, em pensamentos que voavam;

    E quanto, enfim, cuidava e quanto via

    Eram tudo memórias de alegria.

    122

    De outras belas senhoras e Princesas

    Os desejados tálamos enjeita,

    Que tudo, enfim, tu, puro amor, desprezas

    Quando um gesto suave te sujeita.

    Vendo estas namoradas estranhezas,

    O velho pai sesudo, que respeita

    O murmurar do povo e a fantasia

    Do filho, que casar-se não queria,

    123

    Tirar Inês ao mundo determina,

    Por lhe tirar o filho que tem preso,

    Crendo co sangue só da morte indina

    Matar do firme amor o fogo aceso.

    Que furor consentiu que a espada fina

    Que pôde sustentar o grande peso

    Do furor Mauro, fosse alevantada

    Contra ua fraca dama delicada?

    124

    Traziam-a os horríficos algozes

    Ante o Rei, já movido a piedade;

    Mas o povo, com falsas e ferozes

    Razões, à morte crua o persuade.

    Ela, com tristes e piedosas vozes,

    Saídas só da mágoa e saudade

    Do seu Príncipe e filhos, que deixava,

    Que mais que a própria morte a magoava,

    125

    Pera o céu cristalino alevantando,

    Com lágrimas, os olhos piedosos

    (Os olhos, porque as mãos lhe estava atando

    Um dos duros ministros rigorosos);

    E depois nos mininos atentando,

    Que tão queridos tinha e tão mimosos,

    Cuja orfindade como mãe temia,

    Pera o avô cruel assim dizia:

    126

    -«Se já nas brutas feras, cuja mente

    Natura fez cruel de nascimento,

    E nas aves agrestes, que somente

    Nas rapinas aéreas têm o intento,

    Com pequenas crianças viu a gente

    Terem tão piadoso sentimento

    Como com a mãe de Nino já mostraram,

    E cos irmãos que Roma edificaram:

    127

    Ó tu, que tens de humano o gesto e o peito

    (Se de humano é matar ua donzela,

    Fraca e sem força, só por ter subjeito

    O coração a quem soube vencê-la),

    A estas criancinhas tem respeito,

    Pois o não tens à morte escura dela;

    Mova-te a piedade sua e minha,

    Pois te não move a culpa que não tinha.

    128

    E se, vencendo a Maura resistência,

    A morte sabes dar com fogo e ferro

    Sabe também dar vida com clemência

    A quem pera perdê-la não fez erro.

    Mas, se to assim merece esta inocência,

    Põe-me em perpétuo e mísero desterro,

    Na Cítia fria ou lá na Líbia ardente,

    Onde em lágrimas viva eternamente.

    129

    Põe-me onde se use toda a feridade,

    Entre liões e tigres, e verei

    Se neles achar posso a piedade

    Que entre peitos humanos não achei.

    Ali, co amor intrínseco e vontade

    Naquele por quem mouro, criarei

    Estas relíquias suas, que aqui viste,

    Que refrigério sejam da mãe triste.»

    130

    Queria perdoar-lhe o Rei benino,

    Movido das palavras que o magoam;

    Mas o pertinaz povo e seu destino

    (Que desta sorte o quis) lhe não perdoam.

    Arrancam das espadas de aço fino

    Os que por bom tal feito ali apregoam.

    Contra ua dama, ó peitos carniceiros,

    Feros vos amostrais - e cavaleiros?

    131

    Qual contra a linda moça Policena,

    Consolação extrema da mãe velha,

    Porque a sombra de Aquiles a condena,

    Co ferro o duro Pirro se aparelha;

    Mas ela, os olhos com que o ar serena

    (Bem como paciente e mansa ovelha)

    Na mísera mãe postos, que endoudece,

    Ao duro sacrifício se oferece:

    132

    Tais contra Inês os brutos matadores,

    No colo de alabastro, que sustinha

    As obras com que Amor matou de amores

    Aquele que depois a fez Rainha,

    As espadas banhando, e as brancas flores,

    Que ela dos olhos seus regadas tinha,

    Se encarniçavam, férvidos e irosos,

    No futuro castigo não cuidosos.

    133

    Bem puderas, ó Sol, da vista destes,

    Teus raios apartar aquele dia,

    Como da seva mesa de Tiestes,

    Quando os filhos por mão de Atreu comia!

    Vós, ó côncavos vales, que pudestes

    A voz extrema ouvir da boca fria,

    O nome do seu Pedro, que lhe ouvistes,

    Por muito grande espaço repetistes!

    134

    Assim como a bonina, que cortada

    Antes do tempo foi, cândida e bela,

    Sendo das mãos lacivas maltratada

    Da minina que a trouxe na capela,

    O cheiro traz perdido e a cor murchada:

    Tal está, morta, a pálida donzela,

    Secas do rosto as rosas e perdida

    A branca e viva cor, com a doce vida.

    135

    As filhas do Mondego a morte escura

    Longo tempo chorando memoraram,

    E, por memória eterna, em fonte pura

    As lágrimas choradas transformaram.

    O nome lhe puseram, que inda dura,

    Dos amores de Inês, que ali passaram.

    Vede que fresca fonte rega as flores,

    Que lágrimas são a água e o nome Amores!

    136

    Não correu muito tempo que a vingança

    Não visse Pedro das mortais feridas,

    Que, em tomando do Reino a governança,

    A tomou dos fugidos homicidas;

    Do outro Pedro cruíssimo os alcança,

    Que ambos, imigos das humanas vidas,

    O concerto fizeram, duro e injusto,

    Que com Lépido e António fez Augusto.


    Paráfrase do episódio de Inês de Castro (Canto III)

    118


    Depois da vitória do Salado sobre os Mouros e regressado a Portugal para festejar a paz conseguida com esta guerra,

    deu-se o caso triste e digno de memória, que até os mortos revolta, daquela miserável que depois de ser morta foi rainha

    (Inês de castro).


    119


    O poeta apresenta-nos o Amor como o grande culpado da morte de Inês, como se fosse a sua pior inimiga.

    Dizem que a sede de amor nem com lágrimas se satisfaz: ela exige sacrifícios humanos nos seus altares.


    120


    Inês estava a viver tranquilamente os anos da sua juventude e o seu amor por Pedro

    nos saudosos campos do Mondego onde confessava à natureza o amor que pelo dono do seu coração.


    121


    Na ausência do seu amado socorre-se das lembranças: de noite em sonhos; de dia em pensamentos.

    Para ele isto eram memórias de alegria.


    122


    Pedro recusa-se a casar com outras belas senhoras e princesas porque o seu amor por Inês fá-lo desprezar os outros.

    Vendo esta conduta apaixonada e estranha, o pai, D. Afonso IV, considerando o murmurar do povo e a atitude do filho que não se queria casar...


    123


    ... decide a morte de Inês para desse modo libertar o filho, preso pelo amor, julgando que o sangue de uma morte infamante apagasse o fogo desse amor.

    Que loucura foi essa, que permitiu que a mesma espada que combateu os Mouros se levante contra uma dama delicada?


    124


    O rei inclina-se a perdoar a Inês quando é levada pelos carrascos à sua presença, mas o povo, com razões falsas e firmes, exige a morte.

    Ela, com palavras inspiradas mais pela por de deixar os filhos e o seu príncipe que pelo receio da própria morte...


    125


    ... levanta os olhos (as mãos estavam a ser atadas pelos carrascos) e depois de olhar comovidamente os filhinhos que estavam junto de si, disse para o rei e avô:


    126


    Se até os animais ferozes, que a natureza fez cruéis, e nas aves selvagens que só pensam em caçar, vimos haver piedade para com crianças pequenas como aconteceu com a mãe de Nino e com Rómulo e Remo,


    127


    ... tu que és humano (se é humano matar uma donzela fraca e sem força, só por amar quem a ama), tem em consideração estas criancinhas. Decide compaixão delas e minha pois não te impressiona a minha inocência.


    128


    E se na guerra contra os Mouros mostraste saber dar a morte, sabe, agora, dar a vida a quem não cometeu nenhum erro para a perder.

    Mas mesmo assim se achas que a minha inocência merece castigo, desterra-me para a fria Cítia ou a Líbia ardente onde viverei em sofrimento para sempre.


    129


    Manda-me para onde haja tigres e leões (animais selvagens) e verei se encontro entre eles a piedade que não encontrei entre humanos; e aí criarei estas criancinhas, a minha única consolação, a pensar em Pedro que amo.


    130


    O rei queria perdoar-lhe, impressionado com aquelas palavras, mas o pertinaz povo e o Destino não perdoam.

    Os que aconselharam a morte e julgando que estavam a fazer um grande feito desembainharam as espadas.

    É contra uma dama indefesa que vos amostrais valentes e cavaleiros?


    131


    Do mesmo modo que Pirro prepara o ferro para matar a jovem Policena, que se oferece ao sacrifício, com os olhos postos em sua mãe, de quem era a sua única consolação...

    132

    ... assim os algozes de Inês, sem se preocuparem com a vingança de D. Pedro, se encarniçavam contra ela, espetando as espadas no colo de alabastro, que sustinha as obras que fizeram Pedro apaixonar-se por ela, e banhando em sangue o colo de alabastro já regado com lágrimas suas.


    133


    Bem puderas, ó Sol, não ter brilhado naquele dia, como aconteceu com o sinistro banquete em que Atreu deu a comer a Tiestes os filhos deste.

    E vós, côncavos vales, que ouvistes o nome de Pedro, na sua voz agoniante, por muito tempo fizestes eco do nome.


    134


    Assim como a bonina que é cortada antes do tempo por uma menina descuidada fazendo com que a flor murche rapidamente, também aconteceu o mesmo a Inês que perdeu a cor e a vivacidade da pele.


    135


    A natureza chorou durante muito tempo a sua morte e quis eternizá-la na fonte das lágrimas que ainda existe.


    Inês de Castro (C. III, 118-135)


    Elevado a mito nacional, o episódio da morte de Inês de Castro é o drama amoroso mais conhecido em Portugal e além-fronteiras. Foi imortalizado pelo Poeta em dezoito estâncias de intenso lirismo, ainda que a estrutura usada seja semelhante à dos textos dramáticos.

    Como a Tragédia grega tem presente a Fatalidade, o Destino, o Amor, o Terror, a Piedade e o Coro, que o Poeta recria com os seus comentários, acompanhando o desenrolar da situação.

    A própria personagem obedece perfeitamente ao cânone clássico: ama quem lhe é vedado, desafiando dessa forma a linha do seu destino, sendo fatalmente castigada com a morte.

    Com tais considerações sobre o Amor, o poeta faz a introdução do episódio. O seu desenvolvimento tem nas palavras de D. Afonso IV, herói que regressara vitorioso da batalha do Salado, a justificação do motivo da morte de Inês de Castro. Existe um contraste entre os actos do Rei militar, coberto de glória, que combateu pela Fé, e o que quer agora levantar a mesma espada contra uma donzela inocente.

    A descrição das lembranças felizes de D. Inês e de D. Pedro I, dos momentos de alegria que partilhavam, servem para mais cruelmente marcar o engano da alma, ledo e cego, (120.3) e acentuar o contraste com o seu fim trágico.

    A donzela frágil e indefesa é levada por brutos algozes à presença do Rei inflexível, que determina a sua morte. Não é por fraqueza de carácter ou pura crueldade que o faz, mas porque as vozes do povo assim o exigem.

    As lágrimas correm dos olhos piedosos (125.2) de Inês, que pede clemência pelos filhos pequenos. Por eles, Inês propõe ao Rei partir para longe de quem ama, mas onde pudesse criar os frutos de tal amor. Inês não tem defesas para além das suas súplicas, não tem outras armas a não ser as lágrimas para mover a piedade de tão ferozes carrascos.

    D. Afonso IV está à beira do perdão. Mas levantam-se uma vez mais as vozes do povo, a exigir o sacrifício. O Destino cruel de Inês está decidido. É barbaramente executada, num acto cobarde, comparado pelo poeta a outros assassínios terríveis que povoaram as tragédias gregas.

    Em jeito de conclusão, Camões mostra a própria Natureza entristecida diante do crime, chorando a morte escura (135.1) da donzela, perpetuando a fatalidade numa fonte pura (135.3) de onde correm lágrimas em vez de água, que recordará para sempre tais amores.


    Sugestão de Esquematização do Episódio

    est. 118
    Conclusão do episódio da Batalha do Salado e introdução do episódio de Inês de Castro
    est. 119
    Identificação e caracterização do culpado do fim trágico de Inês
    est. 120 e 121

    Amor despreocupado de Inês. (há indícios trágicos como sinais de alerta - 120, vv. 3, 4 e 121, vv. 5, 6)

    est. 122 (vv. 1-4)
    Amor de D. Pedro
    est. 122 (vv. 5-8) e 123

    Reacção de D. Afonso IV (note-se a influência do povo - 122, e a pergunta de retórica do poeta - 123, vv. 5-8)

    est. 124 e 125
    Inês é levada à presença do rei. (repare-se nos sentimentos que o texto transmite)
    est. 126 a 129

    Discurso de Inês perante o rei.

    126- referência à piedade que animais selvagens já demonstraram com seres humanos

    127- Inês pede ao rei que tenha o mesmo sentimento pelos seus filhos (netos dele)

    128- 1ª- apelo à capacidade do rei de perdoar

    128 (2ª) e129- alternativa à morte de Inês

    est. 130

    O rei vacila, mas o povo e o Destino (Fado) não deixam (pergunta de retórica do poeta - vv. 7-8)

    est. 131 - 132

    Morte de Inês comparada à de Policena

    est. 133
    Reacção do Sol - comparação com outro caso hediondo
    est. 134
    Comparação de Inês morta com a bonina
    est. 135
    Reacção da Natureza à morte de Inês



    Análise pormenorizada.


    Estância 118


    Encontramos nesta estância uma referência histórica às terras ganhas pelos
    portugueses na Batalha do Salado.
    Este combate travou-se a 30 de Outubro de 1340, junto do rio Salado; era a resposta cristã a uma contra-ofensiva marroquina para recuperar território peninsular, feita a partir de Gibraltar e Algeciras. Ao rei português D. Afonso IV, desde então conhecido por o Bravo, coube defrontar o rei de Granada, aliado dos marroquinos. A vitória portuguesa e espanhola foi celebrada por ambos os reinos e elevada a exemplo emblemático da cruzada cristã contra os sarracenos.
    O poeta depois de ter cantado a bravura de D. Afonso IV na vitória de Salado, volta-se para um caso com carga sociotrágica de um amor infeliz da "misera e mesquinha / que despois de morta foi rainha". É após esta referência histórica que é "desenterrado" o caso "triste e dino" de D. Inês. de Castro.


    Estância 119


    É visível nesta estância uma invocação e personificação do "fero amor" que põe extremamente em relevo o amor como força devastadora para os "corações humanos" e causador de muitas "lágrimas". O amor é denominado como "áspero e tirano" e é comparado a uma "pérfida inimiga".
    Nota-se ainda nesta estância que foi esta a causa principal da morte de D. Inês de Castro ("Deste causa à molesta morte sua").


    Estâncias 120 e 121


    Por oposição, aparece na estância 120 a descrição do estado feliz dos dois amantes, nas terras do Mondego ("saudosos campos do Mondego"). Estes surgem apaixonados, no entanto, o poeta logo nos avisa que esse amor é somente "engano da alma ledo e cego". Por esse motivo, por ser tão traiçoeiro e cruel o amor nunca perdurará. Até porque "a fortuna não [o] deixa durar muito".
    Podemos encontrar nestas duas estâncias (120 e 121) uma imagem expressiva, com contornos líricos, que faz ressaltar o sentimento amoroso: as lágrimas choradas, a presença de confidentes ("aos montes insinando e às ervinhas"), as lembranças de seu amor, a vivência através de recordações, pensamentos, de dia, e "doces sonhos", à noite. No entanto, estas lembranças são apenas memórias de felicidade, pois o poeta já nos havia "avisado" da efemeridade do amor.


    Estância 122


    Esta estância trata da combinação do casamento de D. Pedro com diversas "senhoras e Princesas" que este, no entanto, rejeita pelo "puro amor" que sente por D. Inês.
    Surge então a figura do Rei, D. Afonso IV ("velho pai sesudo"), sensato e prudente começa a ouvir os murmúrios do povo que começa a estranhar esta situação.


    Estância 123


    Por esse motivo "tirar Inês ao mundo determina". Aparece-nos concretamente, pela primeira vez, o desfecho que este caso trágico terá. Repare-se na reflexão incutida pelo poeta ao leitor pela interrogação retórica sobre o uso da espada. Esta foi utilizada na luta contra o "furor mauro" e será, agora, utilizada para assassinar uma "fraca dama delicada". Esta contraposição surge-nos como uma reflexão/crítica do poeta que denomina este acto de loucura ("furor").


    Estâncias 124 e 125


    Inês é levada à presença do Rei pelos "horríficos algozes". O Rei, "movido a piedade" começa a hesitar em cometer acto tão cruel. No entanto, o povo "com falsas e ferozes razões" convence-o a retomar a tarefa. Estas razões tinham, de facto motivo para existir. Historicamente, a influência da família Castro (através de D. Inês e seus irmãos) começava a preocupar o Rei. Os súbditos, cientes do perigo desta situação "levam" D. Afonso IV a confirmar a sentença proferida.
    D. Inês, súplica humildemente ("tristes e piedosas vozes") pela sua vida e pela de seus filhos. Mais do que a própria morte ela teme o abandono dos filhos e as saudades de D. Pedro.
    Assim, na estância 125, D. Inês reitera o seu medo de deixar os seus "mininos" ("queridos" e "mimosos") órfãos. Apela, por isso, a D. Afonso IV, avó dos filhos de D. Inês e D. Pedro, que não a mate.


    Estâncias 126, 127, 128 e 129 (discurso de D. Inês)


    Este discurso, marcadamente retórico, carregado de referências mitológicas e culturais, parece esquecer a situação psicológica desesperada da personagem e parece destinar-se somente a aumentar a intensidade do drama vivido pela mesma.
    Do discurso de D. Inês podemos destacar a súplica que esta faz ao Rei, de modo a que ele desista do seu intento. Para tal apresenta fortes argumentos.
    Em primeiro lugar, notamos um contraste entre o procedimento do rei e a clemência das "brutas feras". D. Inês enumera duas situações em que seres irracionais se mostraram sensíveis à situação de seres humanos, protegendo-os:
    - a rainha Assíria, cuja mãe a abandonou num monte, foi protegida e alimentada por pombas, e
    - os irmãos Rómulo e Remo, edificadores de Roma, foram alimentados por uma loba.
    Em segundo lugar, D. Inês refere a situação de orfandade a que ficarão sujeitos os seus filhos. Ela teme, não pela sua própria vida, mas pelo desamparo dos seus filhos, que ainda em tenra idade ficariam sem protecção.
    Em terceiro lugar é referida a injustiça do acto do governante e o apelo ao seu bom senso. D. Inês refere que partindo do princípio que o Rei fora justo ao combater os mouros, deveria também ser clemente e justo com ela, cujo único erro foi apaixonar-se por D. Pedro.
    Finalmente, D. Inês apela ao exílio como alternativa à sua execução. Ela prefere ser posta em "perpétuo e mísero desterro", mesmo que esteja sujeita ao frio mais gelado ou ao calor mais torrido, ou mesmo à "feridade" de "leões e tigres".


    Estância 130


    Perante este discurso, D. Afonso IV vacila "movido das palavras que o magoam" e sente-se inclinado a perdoar-lhe. Nota-se, nesta estância uma desculpabilização do Rei D. Afonso IV, a culpa da tragédia é atribuída ao "pertinaz povo" e ao "seu destino". Assim, o rei é desculpabilizado pelo poeta e a culpa da triste sorte de D. Inês é imputada ao povo e ao seu próprio destino.
    Os algozes "arrancam as espadas" e preparam-se para executar a sentença. Repare-se no tom reprovador dado pela interrogação final da estância. Os seus carrascos são denominados "carniceiros".


    Estância 131


    Nesta estância o poeta estabelece uma relação entre este caso trágico e a história da "linda moça Polycena". Esta era filha de Príamo e de Hécuba e casou-se secretamente com Aquiles. No entanto, foi imolada sob o altar de Aquiles por Pirro, filho de outro casamento de Aquiles. Esta referência clássica é uma longa comparação entre a situação de D. Inês e a situação vivida por Polycena.


    Estância 132


    Esta estância reitera a ideia expressa já na segunda parta da estância 130, em que há uma condenação do assassinos de D. Inês. Aqui, os mesmos são apelidados de "brutos matadores".
    Note-se ainda na bela imagem que o poeta nos apresenta para retratar a morte de D. Inês: o sangue desta personagem faz encarniçar as "brancas flores".
    Há, ainda, a referir os castigos que os seus algozes irão sofrer nas mãos de D. Pedro. Estes, no entanto, não estão cientes ("não cuidados") dos mesmos.


    Estâncias 133 e 134


    A invocação e personificação do "Sol", a comparação da sua execução com a clássica e cruel "mesa da Tiestes" em que este come, sem o saber, os próprios "filhos", conferem a esta situação uma amplidão espacial e igualmente trágica.
    O uso da expressão "ó concavos vales", em invocação e personificação, tem como principal objectivo, fazer sobressair o grito final ("voz extrema") de D. Inês, ao chamar pelo seu amor uma última vez.
    Repare-se, ainda, na expressividade da comparação entre a "morta ... donzela" e a "bonina ... maltratada". Do mesmo modo que a referida flor sucumbiu ao corte e agora se encontra murcha e sem cor, também D. Inês faleceu, encontra-se "pálida". Repare-se, de igual modo, na descrição de D. Inês: "Secas do rosto as rosas e perdida / A branca e viva cor, co a doce vida".


    Estância 135


    Temos referência, nesta estância, ao modo como a Fonte dos Amores foi criada: esta foi o resultado das "lágrimas choradas", pela morte de D. Inês, durante muito tempo pelas "filhas do Mondego".
    Finalmente, os próprios leitores são convidados a contemplar a "fresca fonte que rega as flores".


    Estância 136


    Tal como o poeta já tinha prometido "Não correu muito tempo que a vingança / Não visse Pedro das mortais feridas / Que, em tomando do Reino a governança, / A tomou dos fugidos homicidas."
    Os três algozes (Álvaro Gonçalves, Diogo Lopes Pacheco e Pêro Coelho), que haviam fugido para Castela, são entregues por D. Pedro I de Castela a D. Pedro I de Portugal, quebrando o juramento que havia feito a seu pai, em Canaveses. Por esse motivo, o poeta refere que este acto é um "concerto ... duro e injusto", até porque atenta contra a vida humana. Esta situação é comparada às traições da Antiguidade Clássica. Há a alusão a um episódio da História de Roma: Lépido, António e Augusto fizeram um acordo de paz do qual fez parte a publicação do nome dos inimigos de cada um.
    Com este acordo, dois dos assassinos são apanhados e duramente castigados.


    Estância 137


    Nesta última estância do episódio de D. Inês de Castro, encontramos a justificação do cognome atribuído a D. Pedro I de Portugal, "o Justiceiro". Assim, este Rei era extremamente rigoroso ao castigar todos os tipos de crime, especialmente roubos ("latrocínios"), assassinatos e adultérios.


    Nota Final:


    É de salientar que a morte de D. Inês é apresentada como o assassínio de uma inocente. O poeta não apresenta as razões de Estado que levaram a que esta situação ocorresse.



    TRAGÉDIA



    Composição originária da Grécia antiga e que, de acordo com a Poética de Aristóteles, apresentava como principais elementos caracterizadores o facto de despertar, no público, o terror e a piedade. Para os autores clássicos, a tragédia era o mais nobre dos géneros literários.

    Originária do culto popular helénico de Dioniso, começou por ser um diálogo entre um solista (ou hipócrita, palavra que depois significa actor), que coloca questões, e um coro representativo de sátiros, que lhe responde. No teatro da Grécia clássica, a tragédia era constituída por cinco actos: o prólogo, que corresponde ao primeiro acto; os episódios, correspondentes ao segundo, terceiro e quarto actos; e o êxodo, correspondente ao quinto acto. Além dos actores, intervinha o coro, que manifestava a voz do bom senso, da harmonia, da moderação, face à exaltação dos protagonistas.

    Característica também da tragédia clássica era a chamada lei das três unidades: unidade de espaço, de tempo e de acção, que conferia a este género uma intensidade e densidade particulares, graças à concentração de todos os elementos num único local, no espaço de um dia e numa acção assente nos acontecimentos estritamente necessários. Do ponto de vista temático, a tragédia apresenta um herói que, desafiando propositada ou involuntariamente as leis dos deuses, é por estes castigado. Os mais destacados tragediógrafos gregos foram Ésquilo, Sófocles e Eurípides.

    A tragédia clássica foi herdada pelos romanos e transmitida, a partir do Renascimento, às literaturas europeias modernas. O seu introdutor, em Portugal, foi António Ferreira, com A Castro (publicada em 1587), peça inspirada na história dos amores infelizes de Inês de Castro e D. Pedro I. Ao longo dos tempos, a rigidez dos elementos caracterizadores da tragédia (como a lei das três unidades) foi perdendo algum peso, mantendo-se como elemento marcante a adesão emocional do espectador ao elemento trágico. A partir do século XIX, com o Romantismo, a tragédia cedeu lugar ao drama, muito mais ligado à cultura burguesa que então se afirmava e uma intenção cívica e moralizadora. De salientar, também, que alguns dos elementos da tragédia se fundiram com elementos da comédia, dando origem à chamada tragicomédia, em que acontecimentos inicialmente trágicos têm um desenlace feliz.




    Ficha Formativa - Questionário 1



    1. Assinala com V (verdadeira) ou F (falsa) as seguintes afirmações:

    a) O narrador deste episódio é Vasco da Gama que conta a história de Inês de Castro ao rei de Melinde.

    b) O narrador deste episódio é Paulo da Gama, mas é evidente a presença de Luís de Camões.

    c) A história de Inês é contada após a vitória obtida pelos cristãos na Batalha de Aljubarrota.

    d) Este episódio surge na sequência da descrição de uma batalha - a do Salado, mas ocorre alguns anos depois.

    e) A morte de Inês de Castro teve lugar no reinado de D. Afonso IV.


    2. Faz corresponder os recursos estilísticos da coluna da esquerda aos respectivos exemplos:

    a) personificação

    1. Que do sepulcro os homens desenterra

    b) adjectivação dupla

    2. Tu, só tu, puro Amor

    c) hipérbole

    3. áspero e tirano

    4. Nos saudosos campos do Mondego

    3. Classifica este episódio:

    a) bélico;

    b) lírico;

    c) mitológico;

    d) pictórico;

    e) simbólico.

    4. Indica o plano narrativo em que se insere o episódio de Inês de Castro:

    a) plano da viagem;

    b) plano da história de Portugal;

    c) plano mitológico.

    5. Ilustra com passagens deste excerto, a caracterização física de Inês.

    CARACTERIZAÇÃO FÍSICA DE INÊS

    Bela: ___________________________.

    Jovem: ___________________________.


    6. Transcreve o verso que contém a referência explícita ao assunto que vai ser contado.


    7. - Tirar Inês ao mundo determina. Identifica a figura de estilo presente neste verso e explica a sua expressividade.


    8. Inês de Castro e D. Afonso IV são personagens:

    a) modeladas ou dinâmicas;

    b) planas ou estáticas.


    9. Ilustra, com passagens do texto, a caracterização psicológica de Inês depois da decisão de D. Afonso IV de a mandar matar.

    CARACTERIZAÇÃO PSICOLÓGICA DE INÊS

    Perturbada e receosa: ______________________

    Triste e suplicante: ______________________

    Pesarosa e saudosa: ______________________


    10. Indica a figura de estilo presente nos seguintes versos:

    A morte sabe dar com fogo e ferro / Sabe também dar vida, com clemência (est. 128, vv. 2-3)


    11. Explica a evolução fonética do seguinte vocábulo:

    leonem > leone (1) > leon (2) > leão (3)


    12. Expõe os argumentos a que recorre Inês para dissuadir o rei de a mandar matar.


    13. Tendo em conta a leitura que fizeste do episódio de Inês de Castro, refere as características da tragédia clássica que nele se encontram presentes.


    14. Faz corresponder cada um dos arcaísmos da coluna da esquerda ao respectivo fenómeno fonético, tendo em conta a forma actual.

    a) benino

    1. síncope

    b) despois

    2. dissimilação

    c) lacivas

    3. epêntese

    d) minina

    4. prótese

    e) inda


    15. Tendo em conta as comparações que surgem ao longo do episódio de Inês de Castro, completa o seguinte quadro:


    ESTROFES

    COMPARADO

    COMPARANTE

    131-132

    134


    16. Salienta o principal traço da descrição de Inês de Castro depois de morta. Justifica com passagens do texto.


    17. Transcreve os vocábulos que apontam para o carácter eterno da história de Inês de Castro.


    18. Explica o papel dos comentários do poeta, tendo em conta a influência da tragédia clássica.


    19. Reflecte sobre a culpabilidade de D. Afonso IV no assassinato.


    20. Explica a evolução semântica da palavra capela (est. 134, v. 4).


    21. Tendo em conta a leitura que fizeste do episódio de Inês de Castro, explica a evolução psicológica de D. Afonso IV ao longo do episódio.


    22. Tendo em conta a leitura que fizeste do episódio de Inês de Castro, refere as características da tragédia clássica que nele se encontram presentes.


    _______________________________________________________________________________


    Outras Questões sobre o episódio.2

    1. Determina os momentos da evolução psicológica de D. Afonso IV, ao longo do episódio.

    2. Reflecte sobre a culpabilidade de D. Afonso IV no assassinato.

    3. Explica a evolução da palavra capela (134, v. 4).

    4. Analisa a estrofe 119, do ponto de vista estilístico.

    5. Expõe os argumentos a que recorre Inês para dissuadir o rei de a mandar matar.

    6. Explica o papel dos comentários, do poeta tendo em conta a influência da tragédia clássica.

    7. Preenche o quadro seguinte tendo em conta as características da tragédia clássica.

    1. Resolução Questionário 2

      No início, D. Afonso IV manifesta uma certa prudência, respeitando o murmurar do povo e a fantasia / Do filho que casar-se não queria (122, vv. 6-7). Por isso, decide matar Inês. No entanto, quando os algozes a trazem parente o rei, este mostra-se já movido a piedade (124, v. 2). O discurso de Inês provoca uma certa hesitação no rei que queria perdoar-lhe, movido das palavras que o magoam (130, v. 2), mas acaba por manter a sua decisão, por um lado, devido à insistência do povo e dos seus conselheiros, por outro, por influência do Destino trágico que persegue Inês.

    2. Ao longo do episódio, vai-se assistindo a um processo de desculpabilização de D. Afonso IV. As culpas vão sendo atribuídas ao Amor, ao povo, aos conselheiros e ao Destino, acentuando-se a hesitação e a piedade do rei.

      O Amor surge como causa principal da morte de Inês, assim como o Destino, o que atenua a intervenção de D. Afonso IV (130). Por outro lado, este terá sido influenciado pelo murmurar do povo (122, v. 7) que o persuade a matar Inês e palos algozesque por bom tal feito ali apregoam (130, v. 6).

    3. No Séc. XVI significava pequena capa ou grinalda. Com o evoluir dos tempos, passou a ser atribuída pequenos santuários, igrejas ou ermidas (evolução semântica).

      Percebe-se essa evolução (semântica), pois em ambas as épocas o conceito estava relacionado com a ideia de protecção.

    4. Na perspectiva do poeta, o verdadeiro culpado da tragédia relatada neste episódio é o Amor. Nesta estrofe, o poeta dirige-se ao Amor utilizando a apóstrofe e a personificação: Tu, só tu, puro Amor. Este sentimento é caracterizado através de uma adjectivação antitética que acentua o seu carácter contraditório: por uma lado é puro, mas por outro é fero, áspero e tirano.

    5. Para demover o rei do seu intento sanguinário, Inês denuncia a crueldade dos homens, opondo-a à compaixão dos animais pelas crianças. Em seguida, invoca a sua fraqueza, a sua inocência e a orfandade dos seus filhos.Pede clemência ao rei que, sabendo dar a morte, deve também saber dar a vida. Por último, sugere o exílio como alternativa à sua morte.

    6. Na tragédia clássica, há um coro que vai comentando o desenrolar da acção. Neste episódio, é Camões que desempenha o papel de coro, culpando o Amor pelo desenlace trágico, como se pode verificar na estrofe 119.

      Nos últimos quatro versos da estrofe 123 e nos dois últimos da estrofe 130, o poeta mostra a sua indignação, através de interrogações retóricas.

      A partir na altura da morte de Inês é, mais uma vez o poeta/coro que faz a comparação entre a morte desta e a situação de Policena e da bonina.

      Finalmente, na est. 135, apresenta-nos a natureza a chorar a morte de Inês.

    7.

    ____________________________________________________________________________________________


    Inês de Castro resolução da Ficha Formativa 1





    1.

    a) V

    b) F

    c) F

    d) V

    e) V


    2. a) 2,4

    b) 3

    c) 1

    3. b) lírico

    4. b) plano da história de Portugal;

    5. CARACTERIZAÇÃO FÍSICA DE INÊS

    Bela: "linda Inês"; "fermosos olhos"

    Jovem: "De teus anos colhendo doce fruito."
    6. "O caso triste e dino da memória,"
    7.
    Eufemismo - destaca a crueldade da decisão de D. Afonso IV de matar Inês.
    8. a) modeladas ou dinâmicas.

    9.

    CARACTERIZAÇÃO PSICOLÓGICA DE INÊS

    Perturbada e receosa: 125, v. 7

    Triste e suplicante: 124, v. 5

    Pesarosa e saudosa: 124, v. 6


    10. Antítese
    11. leonem > leone (1) > leon (2) > leão (3)

    apócope apócope nasalação
    12.
    -oposição entre a crueldade dos homens e a compaixão dos animais pelas crianças

    -invocação da sua fraqueza, da sua inocência e da orfandade dos seus filhos

    -pedido de clemência

    -sugestão de exílio.


    13. -Estrutura interna (exposição, conflito e desenlace)

    -Lei das três unidades -(acção - morte de Inês; tempo - menos de um dia e espaço - Coimbra)

    -Sentimentos trágicos (terror e piedade)

    -Presença dos destino que se verifica ao longo da peça.

    -Coro (que neste caso são as considerações do poeta)
    14. a) 3

    b) 1

    c) 3

    d) 2

    e) 4
    15.

    ESTROFES

    COMPARADO

    COMPARANTE

    131-132

    Inês de Castro

    Policena

    134

    Inês de Castro

    bonina


    16. Descorada, pálida - "pálida donzela"; "secas do rosto as rosas"; "perdida a branca e viva cor"
    17. "longo tempo", "memoraram". "memória eterna", "inda dura"
    18. Na tragédia clássica temos a presença de um coro que comenta o desenrolar da acção. No episódio de Inês de Castro o coro é substituído pelo poeta.- interrogações retóricas;

    - tratamento das personagens;

    - comparação da morte de Inês com o assassínio de Policena;

    - evocação da "seva mesa de Tiestes";

    - comparação de Inês depois de morta com a bonina;

    - animização da Natureza.
    19. Verifica-se a desculpabilização de D. Afonso IV e atribuição de culpas:

    - ao Destino;

    - ao Povo;

    - aos conselheiros.
    20. - Séc. XVI - pequena capa ou grinalda.

    Actualmente - santuário, pequena igreja ou ermida.
    21. Fases da sua evolução:

    - prudência face às críticas do povo;

    - decisão de a mandar matar;

    - piedade quando os algozes a trazem à sua presença;

    - hesitação depois do discurso comovente e suplicativo de Inês;

    - decisão de matar Inês, por influência do povo, dos conselheiros e do Destino.


    22. -Estrutura interna (exposição, conflito e desenlace)

    -Lei das três unidades -(acção - morte de Inês; tempo - menos de um dia e espaço - Coimbra)

    -Sentimentos trágicos (terror e piedade)

    -Presença dos destino que se verifica ao longo da peça.

    -Coro (que neste caso são as considerações do poeta)


    textos retirados do link da WEB - Com alterações


    trutas.no.sapo.pt/ines_de_castro/index.htm - Em cache - Semelhante



    2 comentários:

    Adrielio Moresi disse...

    ME AJUDOU MUITO NA MINHA PROVA SOBRE TAL OBRA!

    catarina garces disse...

    ajudou me imenso no teste obrigada